Práxis e Autismo: uma lacuna entre intenção e ação
O planejamento motor ou praxis é o processo cognitivo que precede um comportamento; envolve a organização do timing e sequência das ações (Parham & Fazio, 1997). Pessoas com autismo podem saber exatamente o que querem fazer, mas podem não conseguir executar a ação para se realizar aquele desejo, aquela intenção.
Crianças com TEA têm dificuldades significativas nas várias etapas do planejamento motor, especialmente na ideação, planeamento e sequenciação e no feedback, devido às suas limitações no processamento e integração dos estímulos sensoriais, no esquema corporal, no pensamento abstrato, na interpretação das pistas do meio, à sua obsessão pela estruturação e aos comportamentos peculiares (comportamentos estereotipados, posturas anormais, atrasos na resposta motora).
Muitas vezes, essa dificuldade pode ser confundida com distração ou preguiça, porém, o fato é que existe uma lacuna entre a INTENÇÃO e a AÇÃO.
Um estudo de pesquisa publicado em 2007 por Luigi Cattaneo e colaboradores, investigaram práxis em crianças típicas e aquelas com autismo. Os pesquisadores mediram a atividade dos músculos bucais controlados pelos neurônios motores quando as crianças olharam um alimento, o pegaram e depois o levaram para a boca. Os neurônios motores das crianças com desenvolvimento típico geralmente dispararam enquanto a criança ainda estava na fase de visualizar o alimento e aumentou até que a criança colocasse a comida na boca. Em contraste, os mesmos neurônios nas crianças no espectro não mostraram atividade até que o alimento estivesse quase tocando a boca da criança.
O atraso na ativação dos músculos da boca no estudo de Cattaneo sugere que os indivíduos com autismo não estão executando uma cadeia de ação, mas sim processando cada movimento de forma seqüencial. Em algumas condições, pode tornar-se extremamente difícil ou impossível para alguém com autismo controlar intencionalmente cada passo individual.
Ainda, quando indivíduos neurotipicos realizam uma seqüência de atos motores, o objetivo final da seqüência influencia as características dos primeiros atos (como velocidade ou força) e essa característica muitas vezes não está presente nas pessoas com autismo.
Estratégias para auxiliar as pessoas com autismo, neste caso, poderiam ser: fornecer uma ajuda física suave para iniciar um determinado movimento, um feedback proprioceptivo ou até mesmo fazer parte da rotina da pessoa assistir vídeos que demonstrem passo a passo a execução de algumas tarefas necessárias ao dia a dia e que contribuam para sua independência.
Indo além...
A eficácia de todo o processo que envolve o planejamento motor depende em grande parte da qualidade da integração dos inputs sensoriais. Uma criança que não tenha consciência corporal, não consegue interagir eficazmente com o meio. O planejamento motor é constituído por três fases (ideação, planeamento e execução), todas elas fundamentais durante o brincar. A ideação é a capacidade de conceitualizar uma ideia do movimento que se pretende fazer, de modo a estabelecer uma interação positiva com o meio. Após saber que movimento se quer efetuar, é formulado um plano para pôr em prática essa ideia, que inclui como organizar as ações no espaço e tempo (planejamento). Depois parte-se para a realização em si do movimento, a parte observável de todo o processo (execução). Durante todo o processo ocorrem mecanismos de feedback. Para um completo envolvimento no brincar, a criança tem de ser capaz de criar novas ideias à medida que formula e executa os seus planos motores.
Fonte:
Cattaneo L, Fabbri-Destro M, Boria S, Pieraccini C, Monti A, Cossu G, Rizzolatti G. (2007). Impairment of actions chains in autism and its possible role in intention understanding. Proceedings of the National Academy of Sciences.104(45):17825-17830.
Fabbri-Destro M, Cattaneo L, Boria S, Rizzolatti G. (2009). Planning actions in autism. Experimental Brain Research.192:521-525.
http://topediatrica.blogspot.com.br/2011/05/dificuldades-no-desempenho-ocupacional.html